Sobre a saudade

Thiago Roque
4 min readDec 25, 2020

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2020: o ano da pandemia

Enfim, 2020 vai chegando ao seu final. Um ano cheio de desafios — isso para ser muito educado…

Arrisco dizer que 2020 não vai deixar saudade. Mas, ironia do destino ou coisa que o valha, pra mim, 2020 será o ano da saudade.

Primeiro, saudade daqueles que amo. Por conta da pandemia de COVID-19, vou completar um ano sem ver meus pais e minha família. Isso também acaba sendo estendido aos amigos queridos, espalhados por Descalvado, Jundiaí, Ribeirão Preto, São Paulo, entre outras cidades — inclusive Bauru, onde vivo atualmente, já que o coronavírus nos deixou longe até de quem está perto.

Não é fácil. Por mais que existam as facilidades tecnológicas, nada substitui estar junto daqueles que você quer tão bem — não tem aplicativo criado que substitua a deliciosa espontaneidade de sorrisos, olhares, risadas, beijos, abraços.

Falando em beijos e abraços, como sinto saudade também do contato com as pessoas. Poder celebrar uma vitória juntos, torcer pelo time do coração sem qualquer tipo de restrição, a alegria de reencontrar alguém que não vê há tempos na rua, sem planejamento…

Esse tipo de prisão emocional desestabiliza qualquer espião nos filmes do 007 — que, aliás, também nos deixou esse ano… A pandemia nos tirou os encontros e também impediu as despedidas. Fiquei pensando: o que nos resta neste meio-termo?

Acredite: se você for pensar, não vai gostar da resposta.

Oito meses depois, o prazer de ir ao cinema…

Recentemente, fui ao cinema depois de oito meses longe das telonas. Foi um alívio.

Sou apaixonado por cinema. O cinema surgiu tardiamente em minha vida, eu já com os meus 17 anos, quando me mudei a Bauru para cursar jornalismo. Quem me conhece sabe que vejo praticamente de tudo — vou de duas a três vezes por semana no cinema, quando não faço isso num único dia, emendando sessão atrás de sessão.

Imagine, então, ficar oito longos meses sem os filmes na telona, a pipoca, as risadas ou a expressão de incredulidade — dependendo do tipo de longa exibido. São duas, três horas durante as quais não existe nada além do filme e de quem o assiste — uma relação de devoção e dedicação exclusivas, quase um flerte sexy, cheio de frescor.

A saudade do cinema só perde para a falta que os shows musicais fazem em minha vida. Música é conexão pura — e não tem DVD, não tem live nem canais no YouTube que conseguem substituir o bom e velho palco. Ouvir música tem se tornado uma espécie de confissão — é colocar o fone de ouvido e deixar a trilha sonora trazer à tona lembranças, sentimentos, desejos.

Azar dos vizinhos, que têm ouvido minha melodia desafinada com mais frequência durante essa pandemia.

As redes (anti)sociais

Mas tem também um tipo de saudade pesada que chega a tirar o brilho da gente. Quando a gente sente falta de ações responsáveis por nos aproximar, nos deixar mais unidos, nos manter… humanos.

Não sei você, mas sinto falta de um tempo no qual havia mais empatia entre todos nós. Era tão bom quando sabíamos ouvir mais, nos colocar no lugar do outro, julgar menos. Nos dias de hoje, quando as redes sociais se tornam mais importantes que o diálogo, morremos um pouco todos os dias ao ler os comentários sobre racismo, violência contra a mulher, homofobia, preferências políticas e religiosas, até mesmo sobre o tipo de batom que a celebridade usa.

Confesso também sentir saudade de quando a ignorância era considerada inimiga número 1 da nossa vida em sociedade. As pessoas tinham verdadeira paúra de não conhecer determinados assuntos, de falar uma bobagem em grupo, de contar algo a alguém que não fosse verdade. Hoje, a mamadeira de piroca, a terra plana e a vacina que muda de sexo são ditas e repassadas com um orgulho que chega a ser desesperador.

Não construímos mais nada à base do diálogo. Acredite: é assim que começam todas as guerras.

Abraçar: verbo transitivo impossível este ano

Quando essa pandemia ficar sob controle (acredite, isso vai acontecer!), eu não sei como será nossa relação — falam em “novo normal”, tenho horror a essa expressão — com tudo isso que nos deixou saudade em 2020. E, confesso, isso tem me tirado o sono.

Será que, na hora que encontrar um amigo pelas ruas, ficaremos à vontade de trocar um abraço apertado? Será que o primeiro churrasco pós-COVID será tão animado como seria qualquer um antes do distanciamento? O primeiro beijo vai trazer aquele nervosismo adolescente?

Enfim, estamos preparados para nos reconectarmos? Mais importante: queremos nos reconectar novamente?

Olho para minha lista de saudades e respondo por mim: vale muito a pena a loucura de viver e ter tudo isso de volta. Com suas alegrias e suas dores.

Se você também acreditar nisso, espero que nossos caminhos se cruzem ano que vem. E que possamos fazer de 2021 o ano de encontros e reencontros.

Feliz Natal! Feliz Ano-Novo! Felizes reencontros.

Texto escrito para a edição de Natal do jornal Tribuna de Descalvado.

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Thiago Roque

jornalismo, música, literatura e boas histórias - não necessariamente nessa ordem.