CALÇA
Retornei ao trabalho depois de uns bons dias de férias. E, logo de manhã, a realidade veio me acordar não com um tapa na cara, mas com um belo soco no estômago: eu teria que voltar a vestir calça.
Minha memória de merda rapidamente escaneou meu cérebro cansado e concluiu: nos últimos 30 dias, tinha usado calça comprida apenas uma vez - para retornar, de ônibus, de Descalvado a Bauru, após dias de sorrisos ao lado dos meus pais. Nesse ínterim, era bermuda durante o dia, cueca para dormir à noite.
Para ferir ainda mais os sentimentos das (poucas) calças no guarda-roupa, tive dias de glória em um ensolarado e terrivelmente quente Rio de Janeiro, onde o combo shorts-praia foi parceiro da rotina.
Imagine, então, a alegria da dona calça jeans azul, toda engomada, cheirinho mezzo recém-lavada mezzo gaveta fechada, sendo novamente utilizada. A satisfação quase adolescente de sair do cativeiro do cafoflat após tanto tempo, respirar os ares da cidade-sanduíche, reencontrar sua serventia, dando oi às meias de dinossauro, abraçando as botas pra lá de cansadas, voltando a se encontrar com a fiel camiseta preta básica, formando o fab-four da minha incompetência logística em montar looks.
Logo após o almoço, ainda incomodado com a vestimenta, rapidamente retiro a calça do corpo e jogo na cama, buscando um pouco de alento dentro do calor semi-infernal bauruense.
Tarde demais.
A calça, ali jogada, já acendia um cigarro, toda safada, toda canalha, me olhando tal como o objeto de carne que sou, parecendo dizer:
- Amanhã tem mais.