3x4

Thiago Roque
2 min readNov 2, 2021

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os cabelos crescem cada vez mais enrolados — culpa das ideias e suas raízes tortas, bêbadas, corcundas, geradas em orgias com demônios da costa sul da cabeça.

mesmo assim, os pensamentos ainda são seu porto-seguro, cais onde se sente em casa — tem até cheiro de vó.

os olhos, jabuticabos e tristes, cansados de ver a mesmice cotidiana, só desejam a cegueira da poesia.

a boca mastiga sinceridade e masca vontades como se fosse fumo. o dentista elogia: nem uma cárie para dar trabalho.

a língua, safada, massageia cada palavra, cada suspiro, cada inspiração — mas se cala. prefere a companhia mais-que-solitária do silêncio.

bicho-do-mato mesmo.

entre os lábios, não se vê muitos sorrisos — espécie em extinção, perdidos pela barba eternamente por fazer, eternamente a esconder. tem até documentário na tevê fechada — o crítico deu duas estrelas.

só que, mais pra baixo, o coração redime — ou tenta, esse eterno boxeador. em forma, esbanjando energia, se apaixona por tudo e por todos, faz dos sonhos de outrem suas missões, palpita a cada demonstração de fé na vida, vira escola de samba quando recebe beijo na testa — seu melhor ângulo, disseram uma vez.

mas o coração não sai no retrato 3x4. não sai no jornal, não paga imposto, não conta na inscrição do concurso concorrido — 3.256 por vaga.

uma pena, tinha até dado um sorriso.

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Thiago Roque

jornalismo, música, literatura e boas histórias - não necessariamente nessa ordem.