3x4
os cabelos crescem cada vez mais enrolados — culpa das ideias e suas raízes tortas, bêbadas, corcundas, geradas em orgias com demônios da costa sul da cabeça.
mesmo assim, os pensamentos ainda são seu porto-seguro, cais onde se sente em casa — tem até cheiro de vó.
os olhos, jabuticabos e tristes, cansados de ver a mesmice cotidiana, só desejam a cegueira da poesia.
a boca mastiga sinceridade e masca vontades como se fosse fumo. o dentista elogia: nem uma cárie para dar trabalho.
a língua, safada, massageia cada palavra, cada suspiro, cada inspiração — mas se cala. prefere a companhia mais-que-solitária do silêncio.
bicho-do-mato mesmo.
entre os lábios, não se vê muitos sorrisos — espécie em extinção, perdidos pela barba eternamente por fazer, eternamente a esconder. tem até documentário na tevê fechada — o crítico deu duas estrelas.
só que, mais pra baixo, o coração redime — ou tenta, esse eterno boxeador. em forma, esbanjando energia, se apaixona por tudo e por todos, faz dos sonhos de outrem suas missões, palpita a cada demonstração de fé na vida, vira escola de samba quando recebe beijo na testa — seu melhor ângulo, disseram uma vez.
mas o coração não sai no retrato 3x4. não sai no jornal, não paga imposto, não conta na inscrição do concurso concorrido — 3.256 por vaga.
uma pena, tinha até dado um sorriso.